Varanda

Finalmente o inverno estava acabando e logo começaria a primavera. Mesmo faltando quase vinte dias, o clima já começava a esquentar, o que me deixava mais confortável. Eu definitivamente era uma criatura de habitat quente, talvez seja porque nasci e cresci no sul e me acostumei. Havia uma parte boa e ruim nisso. Os Poderosos poderiam ter mais conforto e melhores condições para chegar até aqui no calor. O ruim, é que assim como conosco, os Caçadores também atuariam com mais precisão e maior atividade nos próximos seis meses. Mas eu sentia que seria por agora que poderia começar minha busca por Mark e o treino com os outros tranquila e precisamente.
Aqui estava eu, na varanda pensando em tudo isso. Estava olhando adiante, distante. Suspirei. Precisava daquilo, simplesmente precisava, pois uma raiva súbita me preencheu ao pensar em Mark e nos Caçadores. Levantei-me, indo até a frente da casa, fora da varanda e comecei a trazer objetos para perto, como alvos. Troncos, pedras, todos viraram "bonecos de treino". Respirei fundo e comecei a atacá-los como se fossem de verdade meus inimigos. Usava chutes, socos, teletransporte e telecinese para atacar. Quando percebi, estava tudo espalhado e destruído a minha volta. Senti um ardor em minhas mãos e quando olhei-as arregalei os olhos. Meus dedos estavam sangrando, afinal, eu havia socado madeira e rocha. Merda. Murmurei.

Percebi que alguém se aproximava. Levantei o rosto e percebi que era Nathan. Eu me sentia estranho com ele agora. Ainda tinha certa irritação por ele, mas depois daquela conversa sobre meu irmão e sobre o que eu pensava em fazer sobre tudo, comecei a achar tudo esquisito. Olhei novamente para minhas mãos, vendo o sangue. Até que os cortes eram superficiais e nada profundos. Sangue demais para corte de menos. Mexi os dedos como se fosse agarrar alguma coisa e as juntas doeram. Então, dei um sorriso irônico e disse: Preciso tomar nota sobre não socar madeiras e pedras. Fiz uma pausa e olhei para ele. O mesmo pra você, a menos que queira isso aqui. Remexi os dedos para ele.

Olhei-o depois da pergunta, com a respiração forte e olhos levemente arregalados. Acho que ainda era a agitação do treino em mim. Mexi os dedos levemente, sentindo os ferimentos. Apesar de arder um pouco, era uma sensação um tanto "viciante", mexer para senti-los ali. Não me ache louco, ou ache, não sei, mas era assim que eu ficava. Sentindo a pele aberta, mexendo para sentir. É, um pouco. Respirei fundo. Imaginar que aquelas coisas eram Caçadores apenas me deixou irritado mesmo. O pior era que não havia imaginado simples Caçadores: Eram os assassinos dos meus pais biológicos. Apenas não consegui imaginar o que raptou Mark e matou minha mãe adotiva porque não cheguei a vê-lo, ou vê-la. Estou pensando em começar os treinamentos logo, realmente logo. Vou usar simulações. Mas quem quiser já ir treinando sozinho, que vá.
Agora, aqueles pensamentos não saíam da minha cabeça. Pensar em Mark, nos Caçadores, e naquela noite... Pensar nisso não foi nada bom. As lembranças daquela noite me voltavam agora. Nunca as havia esquecido, mas evitava lembrar. Ora, eu tinha apenas cinco anos quando vi meus pais sendo assassinados sem dó nem piedade, e eu era o próximo alvo. O pior de tudo era que eu não queria ir. Eu estava agachado do lado do corpo de meu pai, chamando-o, falando para que se levantasse para irmos embora. Eu acreditava que estava vivo ainda. Tentava negar tudo em minha mente, desmentir o que meus olhos viram. Mas foi Mark quem estava alerta e me tirou dali a força, enquanto eu gritava e chorava. Eu levei ainda dois meses para enfim admitir que eles se foram. E Mark, com apenas sete anos, ainda assim cuidava de mim o máximo que podia até sermos levados para o orfanato, e até mesmo lá dentro. Geralmente as pessoas se esquecem de sua infância, de seus primeiros anos de vida. Geralmente apenas se lembram mesmo, com certeza, dos oito anos para frente. Mas eu jamais esqueceria o que aconteceu, porque minha infância acabou com aquilo.

Após Mark dizer seus poderes, saímos e, após um tempo, consegui estender meu campo de invisibilidade até ele, e, em alguns momentos, o de intangência. Mas como era de se imaginar, utilizar dois poderes ao mesmo tempo e em duas pessoas, o que eu jamais havia tentando, tomou muito de minha energia. Um pouco depois que saímos do sítio, eu não consegui mais manter nós dois invisíveis. Estávamos distantes o bastante para não sermos vistos, mas ainda assim, estávamos na floresta. Alguns Caçadores às vezes ficavam por lá, portanto perguntei a Mark se ele tinha algum lugar para ir. Ele disse que sim. E, daquele jeito, fomos parar naquela enorme mansão, depois de andarmos por um bom tempo. O cansaço pelo uso dos poderes e pela caminhada me fizeram desabar no chão assim que chegamos no local.

Assutei-me ao sentir a dor em meu rosto. Quando ele me pegou pelos ombros, tentei escapar usando meus poderes, mas estava fraca demais. Um outro garoto apareceu e o segurou - fazendo-me cair no chão -, mas estava na cara que fazia muita força. Eu.. Eu acho melhor ir embora, Mark. Apesar de assustada, ainda estava cansada demais para lutar, e temia que, caso eu ficasse ali por mais um segundo, isso fosse necessário. Mas também não tinha nenhum lugar para ir, e estava cansada demais até mesmo para continuar a andar. Mesmo assim, levantei-me tropegamente e fiz menção de tentar ir embora, mas minhas pernas estavam bambas, e após alguns passos caí novamente.